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Existe imparcialidade jornalística?

Autor: Diego Frederici 26 de outubro de 2012 0 Comentário

Com a espetacularização do julgamento da ação penal 470 – vulgo mensalão – tornou-se comum articulistas e jornalistas exporem o que pensam os leitores, como se fossem matérias ou artigos escritos pelo próprio ‘profissional’. Mas qual será a proposta de um véiculo quando divulga um texto e pede a opinião de seu público?

Na academia (faculdade) os estudantes de comunicação são treinados, desde o primeiro ano, a utilizar o jornalismo estritamente sob a condição de interesse público, entendendo-se aqui como interesse público o direito de qualquer sociedade de estar bem informada de forma ampla e diversa, de modo a propiciar a consciência social, política e cultural dos indivíduos. Além disso, essa informação deve ser relevante o bastante para afetar a vida privada e pública dos homens.

As palavras que acabei de escrever são parte da tese defendida pelo alemão Tobias Peucer, em 1690. Citei ele pois sua obra, dentre outros autores, ajudaram a criar uma ‘aura’ em torno do jornalismo, como se todo texto, ou produção audiovisual, feito por um jornalista, fosse uma verdade universal, isenta, justa e providencial.

É verdade que alguns veículos de comunicação, resistem, ainda, ao compromisso proferido pelas palavras de Tobias Peucer. E é verdade também que, no paradigma do sistema capitalista, os meios de comunicação da tv (Globo, Record), revistas semanais (Veja, Carta Capital) jornais impressos (Folha de São Paulo, Zero Hora) e portais da internet (UOL, TERRA) são empresas, algumas delas, inclusive, com ações na bolsa de valores.

O que uma coisa tem em relação a outra?

Como empresas, esses meios de comunicação precisam de dinheiro para sobreviver, e quem paga as contas de uma organização, seja ela qual for, são seus clientes. Em relação a eles, o único fator que difere um jornal de uma empresa qualquer – uma montadora de carros, por exemplo – é que o cliente dessa montadora é quem compra o carro, e o cliente no jornal é quem adquire o impresso, ou seja, seus leitores. Sua receita, porém, não se constitui apenas das vendas de exemplares, mas, principalmente, pelos anúncios publicitários contidos neles – seja um comercial do OMO, ou a propaganda do Novo Uno, da Fiat.

Por último, não é possível desprezar o fator político. Parte do que chamamos de ‘Grande Imprensa’ – aquelas que possuem mais pontos de audiência, no caso das tv’s, ou as que tem maior tiragem de impressões, no caso de jornais e revistas – são, historicamente, ligadas a grupos que perpetuam-se nos poderes constituídos do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário, ou seja, as elites.

Nesse sentido, podemos destacar alguns casos emblemáticos, em importantes momentos da sociedade brasileira, como a manipulação e edição do debate entre Lula e Collor, nas eleições de 1989, feito pela Rede Globo, em favor de Collor. Mais recente, em 2010, nas eleições presidenciais, o candidato José Serra, durante uma passeata no Rio de Janeiro, foi atingido por uma bolinha de papel, comprovada por uma reportagem do SBT. A refererida ‘bolinha’, entretanto, se transformou, nas palavras do jornal Folha de São Paulo e, novamente, da Globo, numa bobina de fita adesiva, ou numa pedra (os ‘especialistas’ consultados nas reportagens não souberem dizer do que se tratava), que teria sido atirado por partidários da candidata Dilma Roussef.

Interesses políticos a parte, e a suposta relevância das reportagem, só o interesse público pode dizer. O que podemos concluir, com certeza, é que não trata-se de uma notícia qualquer, e sim de um posicionamento político, seja ele qual for. Dadas as premissas, podemos chegar a algumas conclusões:

1. O senso comum entende que, independente do jornal, revista ou tv, a notícia vinculada é a única verdade possível, mas não leva em consideração que ela não passa de um ponto de vista.

2. Mesmo que uma reportagem tenha o cuidado de ouvir opiniões distintas sobre o mesmo assunto, no texto, e na construção da matéria, sempre há um direcionamento para se chegar a uma conclusão predeterminada.

3. Como empresa, que depende da receita de vendas, e anúncios comerciais, os veículos de comunicação respondem a um determinado público. O jornal Valor Econômico, que é uma parceria entre as Organizações Globo e a Folha de São Paulo, por exemplo, é voltado aos leitores correspondente as classes A e B, pois, seu conteúdo, carregado de gráficos financeiros, preço das ações, e perspectivas de crescimento, tanto de empresas como de países, tem um público bem específico, composto em sua maioria por empresários. Isso quer dizer que, dificilmente, veremos um comercial da Bombrill nele.

4. Analisando os fatos – o direcionamento da matéria, a abordagem de um único ponto de vista, a necessidade de receitas publicitárias para manter o negócio e o posicionamento político, presente de um editorial a uma simples nota – nos leva a uma verdade óbvia, que, curiosamente, é contestada por algumas redações: não existe imparcialidade jornalística. Na verdade, será que é possível dizer que, na prática, existe imparcialidade em qualquer ação de uma pessoa?

Sem querer me estender muito, esse contexto é necessário para chegar a conclusão acima, sem a qual seria impossível responder a pergunta: Qual a proposta um veículo de comunicação quando posta um artigo – que por si só já representa um posicionamento – e pede a opinião dos leitores? Uma só, senão defender os interesses políticos e financeiros que norteiam o jornalismo, como explicado nas linhas anteriores.

Entretanto, podemos ir mais a fundo: o problema não é ter interesse, e sim, o tipo de interesse por trás dos textos e reportagens. Se este não possui como meta a utilidade pública, é correto usar a superficialidade e a parcialidade, de um único ponto de vista, que, ainda por cima, carrega propósitos econômicos e políticos do grupo a que pertence, e usar o leitor para endossar estes objetivos ocultos? Pelo menos até aqui uma coisa é clara: se um articulista pede a opinião de seus leitores, isso é sinal, entre outras coisas, da fragilidade de seus argumentos.

Numa análise mais ampla, podemos constatar este um sintoma de uma democracia frágil, pois uma imprensa de alto nível, deve ser plural e atender as mais diversas demandas da sociedade. Se a maior parte da imprensa que se sobressai, é aquela que representa a parcela mais rica da sociedade, que estão a décadas – e séculos! – no poder, quer dizer que os interesses do restante da população, que não possue tanto poder financeiro, são ignorados, ou tem o mínimo de destaque nos veículos de comunicação. Pior: suas reinvindicações e problemas são desqualificados pelos ‘profissionais’ que trabalham nesses jornais e tv’s.

Como leitor e jornalista, entretanto, faço uma recomendação: leiam as matérias do maior número possível de meios de comunicação. Quer opinar, sem problemas. Mas não faça isso sem antes dar uma passada na blogosfera, ou em algum outro veículo. A democracia agradece. #ficaadica


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