“São Paulo, dia primeiro de outubro de 1992, oito horas da manhã…
Aqui estou mais um dia
Sob o olhar sanguinário do vigia
Você não sabe como é caminhar
Com a cabeça na mira de uma HK
Metralhadora alemã ou de Israel
Estraçalha ladrão que nem papel…”
Trecho da música Diário de um Detento, Racionais Mc’s
Quem viveu o dia não esquece até hoje. No dia 03 de outubro de 1992 os brasileiros acordaram com notícias não confirmadas sobre uma rebelião, ocorrida na então maior penitenciária do Brasil, o Carandiru , na zona Norte de São Paulo.
Informações davam conta de uma verdadeira batalha ocorrida entre policiais e detentos, dentro dos muros do presídio, na noite anterior, dia 02. A realidade, porém, provou-se bem mais aterradora e chocante do que poderia-se imaginar.
Segundo dados oficiais, 111 pessoas foram executadas a sangue frio por policiais militares, que limitaram-se a declarar que agiram sob “legítima defesa”. A conta, entretanto, pode ser muito maior: há denúncias de corpos achados em cidade do interior de São Paulo e de pessoas que, para não aumentar a contagem de assassinatos, foram enterradas como indigentes.
Vinte anos completados da tragédia, o episódio representa uma mancha dos direitos humanos brasileiros. Ninguém foi preso ou condenado. O número de agentes de segurança envolvidos, que inicialmente era de 130, foi caindo ao longo dos anos, sobretudo pela prescrição dos crimes, e hoje é de 79. O Coronel Ubiratã, que assumiu a responsabilidade da ação, morreu em 2006, assassinado pela ex companheira, em circunstâncias até hoje nebulosas.
O governardor do Estado de São Paulo na época, Luis Antônio Fleury Filho, chefe da polícia no Estado, pasmem, nem chegou a ser denunciado no processo.
Algumas reflexões, entretanto, são válidas, independente da sensação de impunidade e desamparo que, infelizmente, goza o cidadão comum. A principal delas, sob a ótica dos Direitos Humanos é: qual o papel da polícia na sociedade?
Aqui e ali pipocam notícias de abusos policias que vão de um ‘humilhante enquadro’, na frente de um shopping center, ou até mesmo execuções sumárias, patrocinadas pelos famosos ‘esquadrões da morte’, principalmente se você faz parte da parcela que não é rica e poderosa – ou seja, a maioria da população.
Não por acaso, mas o antigo chefe da Rota em São Paulo, tenente-coronel Salvador Modesto Madia, foi demitido a menos de uma semana, pelo aumento de vinte por cento dos homicídios praticados por policiais em São Paulo – que não diminuiu os assassinatos provocados por civis, que cresceu quase dezesseis por cento. Quem é Salvador Modesto Madia? Nada menos que o então tenente que comandou a morte de 73 dos 111 presos do massacre do Carandiru.
André Camarante, repórter do jornal ‘Folha de São Paulo’, passou a ser perseguido por um também ex comandante da Rota, e candidato a vereador pelo PSDB na capital paulista, coronel Paulo Telhada. Camarante, que cobre a editoria policial, tem sofrido ameaças feitas pelo servidor público e seus asseclas, o que motivou uma nota em repúdio do SJSP – O Sindicato do Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo.
Para quem não conhece, a Rota é o batalhão de elite da polícia militar em São Paulo, e é conhecida por seguir a política ‘atire primeiro e pergunte depois’, como na chacina de Várzea Paulista, que tirou a vida de nove pessoas, no dia doze de setembro, incluindo de gente que não tinha nem histórico penal, defendida pelo próprio governador do Estado, Geraldo Alckmin, que assim definiu a ação: “Quem não reagiu, sobreviveu”. Morador de São Paulo não pode mesmo reagir, tem que ficar quetinho, tremendo no seu canto!
Os casos acima chamam a atenção pela política adotada por dois coronéis e o próprio governador. Não são palavras ou ações defendidas e realizadas por simples soldados, mas da cúpula de comando da polícia.
Para quem acha que “Direitos Humanos servem apenas para Humanos Direitos” um aviso: quem define o que são “Humanos Direitos”? Um governador que lava as mãos sujas de sangue de seus subordinados? Os empresários que pressionam os políticos para não investir dinheiro nas áreas sociais para, aí sim, resolver de vez o problema da criminalidade?
Bom, para ajudar a responder tais questões, veja a primeira parte do documentário “Carandiru: dois lados de um mesmo lugar” e conheça o ponto de vista das vítimas, pois a versão da polícia e do poder público nós já sabemos.
Parabens pelo blog.