Como esperado, mas nem por isso aceitável, a direita brasileira, em seu último fôlego ardiloso, ecoa aos quatro ventos a participação do ex presidente da república, Luis Inácio da Silva, o Lula, no suposto esquema de compra de votos a favor de propostas do governo, protagonizado por parlamentares. A denúncia, claro, se baseia numa ‘declaração’, ou seja, um ‘suposto’ testemunho que ‘teria’ feito um dos réus deste processo, em julgamento no Superior Tribunal Federal, e não apresenta nenhum documento ou investigação de orgãos oficiais que a comprovem.
O caso, que possui uma série de pontos de vista possíveis, dependendo dos interesses envolvidos, merece um olhar atento, a começar pela língua portuguesa. A reportagem que iniciou pela enésima vez o ataque ao político pernambucano usa uma palavra chave: ‘teria’, flexão de ‘ter’, no tempo verbal conhecido como futuro do pretérito, utilizado, geralmente, para demonstrar dúvida e falta de certeza numa expressão. Marcos Valério, o publicitário acusado de operar um esquema de caixa 2, ‘teria’ dito que Lula foi o chefe da ‘organização’. Segundo o panfleto, o acusado também ‘teria’ medo de ser assassinado, e que o então Chefe de Estado só não foi processado pelo justiça pois Valério ‘teria’ se calado na investigação do caso… Haja condicionantes para uma acusação!
Independente da escassez de fatos que dão sustentação a afirmação de crime, ou o uso correto do tempo verbal da palavra para o caso, tendo em vista que certeza mesmo não se tem de nada, os partidos de direita, todos moribundos em sua atuação política num país de terceiro mundo, juntamente com a ‘grande imprensa’, que históricamente tem atuado como uma ‘grande assessoria de imprensa’ destes grupos, replicaram a culpa sem julgamento, nem provas, em seus periódicos, lançando mão de todos os recursos possíveis para manchar a imagem de um líder político que entregou o poder com aprovação recorde da população.
Sem querer me extender nos méritos que o governo do Partido dos Trabalhadores alcançou – como tirar dezenas de milhões de pessoas da pobreza extrema e a conquista de uma política externa onde, pela primeira vez na história, deixamos de ser tratados como capachos pelas potências mundiais, pelo menos ‘oficialmente’ – chama a atenção o ar golpista que estes acontecimentos deflagram em nosso país.
Quer ver?
Um veículo de comunicação impressa escreve uma reportagem onde alguém ‘teria’ dito que o outro é suspeito de um crime. Mesmo sem nenhum documento factual, a matéria ganha voz no resto da imprensa. Em pouco tempo o assunto vira pauta e meia dúzia de ‘lideranças’ políticas se movimentam para ‘apurar’ a acusação, que já foi investigada pela justiça, e que, neste momento, julga os nomes envolvidos no suposto crime. Qual o objetivo, senão desestabilizar – de novo, sem prova alguma de crime – um governo eleito genuínamente pelo voto democrático, que a direita tanto enche a boca para defender? Protege a democracia atacando-a?
Infelizmente, ao voltar na história, nota-se que a pratica golpista no Brasil talvez seja tão tradicional quanto o tal do ‘jeitinho brasileiro’, também conhecido como corrupção. A começar com nossa ‘República’, que teve início com o golpe militar do Marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de novembro 1889. E assim foi com Getúlio Vargas (duas vezes), com Jango, em 1964 e, mais recentemente em 2005, quando tentou-se passar por cima da Constituição novamente, e tirar do poder Lula, então em seu primeiro mandato, com apoio explícito das elites brasileiras – a minoria do povo desse país – com movimentos rechaçados pelo resto da população, como o ‘Cansei’.
Afinal, o que querem os donos do poder de fato? A mídia de mercado, os latifundiários, os lobistas de grandes empresários (legais e ilegais) em que transformaram-se os parlamentares tidos como ‘de direita’ – numa pretensa e frágil argumentação em que coloca tudo na conta da tal ‘corrupção’ – se esquecem que o respaldo financeiro, por maior que seja, nunca irá ultrapassar o político. Que quantia em dinheiro pode mensurar a satisfação de uma mãe ao ver um filho bem alimentado, frequentando a escola? Isso numa escala de milhões, quanto vale politicamente e, além disso, do ponto de vista moral e ético?
Devemos sempre ser alertas para esse tipo de movimentação na sociedade, que em outras ocasiões representou anos de retrocesso para a grande massa e algum ganho de capital, para as elites econômicas, como sempre tem sido. A democracia brasileira é anêmica, e não ‘eternamente deitada em berço esplêndido’, como dizem alguns. Sem a vigilância do povo, estamos fadados a viver para sempre no círculo vicioso da hipocrisia e do preconceito institucional.