GF Noticias

Fé é algo pessoal ligado unicamente a esfera privada na vida das pessoas. Em 2010, fiz uma série de reportagens de rádio sobre o aborto, e uma das constatações é que o perfil da mulher que morre nesse tipo de procedimento é negra, pobre e com baixa escolaridade. E isso porque elas não tem recursos financeiros para fazê-lo em respeitadas clínicas médicas, acima de qualquer suspeita de atividade ilegal, em bairros como os Jardins, na cidade de São Paulo, ou Leblon, no Rio.

Hebe Camargo, Marília Gabriela, Isabeli Fontana, Cássia Kiss, Luiza Brunet… Todas mulheres de sucesso, que venceram em suas respectivas carreiras profissionais, já fizeram aborto. Até mulheres ligadas a setores históricamente contrários à prática, como Soninha Francine e a esposa de José Serra, Mônica Serra, também já passaram por essa experiência. O fato é que, o pobre, sem opções, acaba sendo mais uma vez a vítima de uma sociedade hipócrita, preconceituosa e misógina.

É simples se dizer contra a prática quando há recursos disponíveis para não se submeter a métodos abortivos brutais. O fato é que, crime ou não, mulheres de todos os extratos sociais fazem isso. Segundo uma recente pesquisa do PNA, Pesquisa Nacional do Aborto, do Ministério da Saúde, mais de 5,3 milhões de brasileiras já abortaram. Se a vida de uma população equivalente em tamanho a uma metrópole não faz do problema um caso de saúde pública, então o que fará?

A questão é mais simples do que parece, embora não exista um aprofundamento do assunto, quando discutido na mídia, pelos interesses envolvidos. Mas se só os pobres é que morrem mesmo, por que se importar?

Se hoje cedemos à pressão de uma religião que tenta impor um conceito moralista para resolver uma questão de utilidade pública – aqui incluido quem não é cristão – qual será o próximo passo? Tornar crime não frequentar a igreja aos domingos? Prender os pais que se recusam a deixar seu filho visitar o padre, na sacristia? Caçar mulheres e gatos pretos?

O Iluminismo (movimento de intelectuais que se iniciou em meados do século XVII, na França) tinha como mote a razão ao misticismo e uma de suas principais bandeiras foi a luta contra a inquisição e a tortura, promovidas pela igreja católica. Quase 400 anos depois, me sinto envergonhado de ter de escrever um texto que defenda a ciência como farol que tira das trevas os problemas causados pelo homem, e não por deus. Enquanto não nos tornarmos seres políticos, a sociedade estará exposta a esta minoria, que vem se adaptando à revolução da internet, especialista em borrifar sua cruzada neoinquisitória num país laico, segundo a Constituição.


Publicidade